
Seu Lunga é apenas o apelido de Joaquim dos Santos Rodrigues. As piadas sobreele escondem atrás da personagem o homem real, nascido em Caririaçu, fronteira Norte de Juazeiro, em 18 de Agosto de 1928. Viveu a infância com os pais e mais sete irmãos, "no meio dos matos,"afastado da cidade. O apelido lhe acompanha desde esta época, quando uma vizinha de sua família, que ele só identifica como preta velha, começou a lhe chamar de Calunga, que virou Lunga e pegou.
Começou a trabalhar na roça aos oito anos de idade, e admira a criação rígida que teve de seu pai, o que marca um aspecto psicossocial do homem Lunga. Sobre a educação recebida, Lunga responde: "Uma educação desses pais de família sérios, homem de responsabilidade, homem de caráter, homem de palavra, homem de respeito." Lunga deixa sua postura um tanto desinteressada da conversa, para deixar transparecer sua admiração pelo pai.
Da infância traz poucas lembranças, como as brincadeiras com os colegas, que eram seus próprios irmãos. Entre os irmãos dominava a determinação do pai de que os mais novos deveriam obedecer aos mais velhos. Há também as lembranças das poucas idas à cidade, acompanhando o pai que ia vender ou comprar algo. Foi assim até aos 16 anos, quando se mudou para o Juazeiro.
Causos e piadas sobre Seu LungaCuriosidades e vídeos e sobre Seu Lunga
A mudança para o Juazeiro se deu depois que Lunga caiu em uma cacimba e adoeceu, impedindo-o de trabalhar na roça com o pai. Lá ele aprendeu a arte de ourives, e viveu disso por dois anos. Foi nesse período que seu Lunga aprendeu a negociar no Mercado Público da cidade, passando depois a trabalhar no comércio com sua loja de sucata.
A determinação de seu Lunga que o fez ir para a cidade morar longe da família e conseguir sobreviver fazendo o que nunca tinha feito antes também se mostrou quando pediu a prima em casamento.
Sem nunca terem namorado, Lunga deu a ela três dias para pensar se queria ou não casar-se com ele. Terminado o prazo, ela aceitou o pedido, e só não se casaram no dia seguinte, porque o pai da moça não deixou. O namoro então durou uns dois ou três meses.
Casado desde 1951, hoje Lunga é pai de treze filhos, mas se ressente de não ter podido lhes dar uma educação mais rígida, pois sua esposa "é contra se castigar um filho." Apesar disso, ele se orgulha de todos eles, com exceção de um, terem estudado e se formado em alguma profissão (nenhum com nível superior, entretanto), ao contrário dele mesmo, que foi às aulas por apenas dois meses.
O pai Lunga reflete a rigidez do homem que deu origem a toda a construção dapersonagem pouco flexível, mas ao mesmo tempo deixa transparecer o orgulho comum a todos os pais: oferecer boa educação aos filhos. É interessante também notar como a realidade interiorana de Lunga influencia em sua avaliação da educação de seus filhos. Ao dizer que quase todos os filhos eram formados, ele disse que nenhum, entretanto, tinha "formatura alta," referindo-se à formação de nível superior.
Ora, em sua vivência, a formação acadêmica é um contexto distante, dispensável para seu estilo de vida. A pouca instrução de Lunga, por outro lado, não o impede de discorrer sobre assuntos como política, cultura, religião, nem o impediu também de candidatar-se a vereador da cidade de Juazeiro em 1988, eleição que não ganhou porque, segundo ele, teve seus votos roubados.
Além do comércio, seu Lunga é dono de um sítio onde cria gados e planta frutas que leva para sua loja para vender. Homem sem grandes paixões, ele se considera "temperado." Religioso, ele se declara devoto do padre Cícero, o que é uma marca também da cearensidade de seu Lunga. Apesar disso, ele não é freqüentador assíduo das missas, pois pensa que religião não é ir a uma igreja ou participar de romaria, mas ajudar àquele "que bate na porta." Em tudo isso seu Lunga se acha feliz.
A rigidez de seu Lunga o faz repudiar a construção de sua personagem, pois o homem se sente tremendamente injustiçado com as estórias que ele diz serem inventadas. E se tem um tema que seu Lunga sempre traz à tona em seu discurso, é a justiça. Lunga não pode perceber aqui a separação entre a construção cultural, o objeto imaginado e abstraído da realidade e a realidade em si. O homem toma a personagem como ofensa pessoal, e isso também fala de sua formação cultural e de seu caráter.
O homem mais zangado do mundo: personagem seu Lunga
A fama da rudeza do seu Lunga, "o homem mais zangado do mundo," corre o Ceará de norte a sul, nas historietas engraçadas contadas nas mesas de bar, nas rodas de amigos, nos ônibus, nos versos do cordelista.
O único que não ri dessas piadas é seu Lunga. Para ele, o que andam contando a seu respeito é invencionice. Mas ao mesmo tempo que ele nega a veracidade das histórias, seu Lunga reconhece uma origem para elas. É que ele "não faz por menos," isto é, se perguntou errado, tem a resposta que merece. Essa é sua grande queixa com relação aos brasileiros e seu principal discurso regular, isto é, aqui e ali ele retorna a essa argumentação. É como se ele quisesse se justificar de sua grosseria.
Ele cita vários exemplos de como isso acontece. Um cliente entra na loja e pergunta sobre um ventilador desligado: "Está funcionando?" Indignado seu Lunga devolve: "Como é que ele pode estar funcionando se não está ligado?" Segundo ele, essas e outras respostas a colocações mal feitas é que lhe deram a fama de ignorante.
Há, contudo na fala de seu Lunga uma contradição nítida.
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